23 maio 2009

BENVÓLIO — Mais calma; irei também; se me deixardes não procedeis bem.
     ROMEU — Ora, já me perdi. Não sou Romeu. Esse está longe. Está não sei bem onde.
     BENVÓLIO — Dizei-me seriamente a quem amais.
     ROMEU — Como! Precisarei gemer o tempo todo que te falar?
     BENVÓLIO — Gemer? Oh, não! Mas dizer, em verdade, quem seja ela.
     ROMEU — Mandai fazer o doente o testamento. Que idéia triste para o desalento! Primo, em verdade: adoro uma mulher.
     BENVÓLIO — Acertado também nesse alvo eu tinha, ao vos imaginar apaixonado.
     ROMEU — Ótimo atirador! E ela é formosa.
     BENVÓLIO — Primo, acertar assim é grande dita.
     ROMEU — Nisso vos enganais. Ela é catita. A seta de Cupido não cogita de bater nela. Sábia como Diana, a castidade é sua soberana. Do arco gentil do amor está amparada e, assim, da lenga-lenga apaixonada. Resistir pode a todos os assaltos dos olhares morteiros, não chegando nunca a cair-lhe no regaço a chuva de ouro que os próprios santos tem vencido. Oh! é rica em beleza, mais que bela, porque a beleza morrerá com ela.
     BENVÓLIO — Então jurou que sempre há de ser casta?
     ROMEU — Jurou; e sua avareza tão nefasta grandes estragos fez, pois a beleza com tal severidade, de fraqueza quase veio a morrer, tendo ficado sem prole alguma. Incrível atentado! É muito bela e sábia, sabiamente formosa para estar sempre contente com me fazer sofrer. Fez juramento de não amar jamais, um só momento. E nesse voto infausto eu vivo morto só de a todos contar meu desconforto.
     BENVÓLIO — Por mim guiar te deixes nisso: esquece-a
     ROMEU — Oh! A esquecer-me ensina o pensamento.
     BENVÓLIO — Dá liberdade aos olhos; examina outras belezas.
     ROMEU — Esse é o meio certo de mais consciente me tornar ainda de sua formosura em tudo rara. Essas felizes máscaras que as frontes beijam das jovens belas, sendo pretas pensar nos fazem que a beleza escondem. Quem chegou a cegar, jamais se esquece da jóia rara que perdeu com a vista. Mostrai-me uma mulher de inexcedível formosura; para algo servir pode, senão de sugestão para que eu leia quem a excedeu em tanta formosura? Não, nunca hás de ensinar-me o esquecimento.
     BENVÓLIO — Hei de nisso empregar o meu talento.
O que estão falando? Qual é esse talento? Na próxima quinta.

0 comentários:

Postar um comentário

Oi. O RDN está muito feliz que você veio fazer seu comentário, sendo crítica ou não, agradecemos muito!